Capítulo I - primeira parte
Capítulo II - primeira parte
Capítulo II - segunda parte
Capítulo III - primeira parte
Capítulo III - segunda parte
Capítulo IV (excerto)
Próximo excerto
Capítulo II - segunda parte
Capítulo III - primeira parte
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Capítulo IV (excerto)
Onde a morte enchia de frutos o
seu cesto ávido
Eric regressava
a casa depois da visita a
um nobre com quem mantinha proveitosos negócios, muito a norte do reino. Tão a
norte que as altas montanhas dos seus domínios se sentiriam ofuscadas por
aquelas irmãs mais poderosas, toda uma cordilheira negra e majestosa, tão bela
de verão quanto terrível de inverno, mas revestida de tons vermelhos e dourados
agora que coberta de outono.
(…)
Aproximava-se a bifurcação
na estrada de onde se seguia para a mina de trabalhos forçados, não muito longe
dali, e surpreendendo a sua escolta Eric pediu que alterassem o trajecto nessa
direcção.
O desvio no caminho, íngreme
e rochoso, conduzia directamente até uma cova nas montanhas onde os condenados
extraíam precioso minério das férteis minas e partiam pedra para todos os
cantos do império. Assim, visto de cima, aquele lugar de suplício parecia um
pedaço do inferno. Devido à inclinação das ravinas raramente o sol ali pousava
de inverno, mas de verão devia escaldar durante todo o dia. Guardas com
chicotes certificavam-se de que os condenados faziam o seu trabalho. Os mais
fortes, ou os que tinham chegado há pouco tempo, caminhavam acorrentados. Aos
outros já não restava força para fugir e muito provavelmente acabariam ali a
sua vida, naquele castigo derradeiro onde a morte enchia de frutos o seu cesto ávido.
Mas os condenados não paravam de chegar, e as minas e a pedreira não paravam de
produzir as suas riquezas. Por um que morresse, vinham logo dois para o seu
lugar sem que a ração fosse duplicada. Ali terminavam a maior parte dos
condenados a quem não fora sentenciada a forca. Muitos, sabia Eric, estavam
inocentes. Conhecia aquele poço de tortura há vários anos, desde o tempo da
guerra, e o seu maior beneficiário, o duque deVerna, senhor daqueles domínios,
há período idêntico. Um homem execrável, aquele, mas poderoso, graças ao
manancial daquelas jazidas, a quem pouco importava fazer justiça desde que não
lhe faltassem escravos que escavassem a sua fortuna. Eric sabia disso, e
desagradava-lhe, mas o nobre era também um estratégico aliado e nada lhe
convinha ainda pô-lo na ordem. O tempo chegaria, e Eric seria implacável, mas
por agora era preciso fechar os olhos a pormenores de menos importância.
Continuava a ser útil,
aquela aliança, forjada do mútuo interesse, nos dias incertos em que o jovem
soberano necessitava de mercenários e armas na mesma medida em que o velho
nobre abominava o arrastar do conflito que lhe ameaçava o negócio. Ao visitar aqueles
domínios, desde esse primeiro voto de lealdade, Eric comprometia-se na tácita
aprovação que astutamente deVerna pretendia garantir. E que o futuro imperador
teve de conceder. Também aquele era um negócio, e Eric não esperava melhor da
exibição de justiça que tinha sido preparada para os seus olhos. DeVerna gostava
de lhe chamar clemência, não mandando para a forca insignificantes ladrões e
outros transgressores de mísero delito. Antes se devia pô-los a trabalhar, nas
minas, onde eram úteis a todo o reino. O duque não disse como fazia questão de
ir comprá-los, sobretudo os jovens e saudáveis, a qualquer nobreza que
dispensasse de bom grado o incómodo de lidar com os criminosos. Só naquele dia,
Eric assistiu enquanto dezenas eram condenados às minas.
Alguns, os piores, livravam-se de sentença mais dura, mas muitos daqueles
homens não mereciam tamanho castigo.
Eric nunca se esqueceu de um
deles. Um jovem servo, acusado de roubar um candelabro de prata da casa dos
seus senhores. O pobre rapaz jurava que era inocente, que nem sabia que destino
dar a um candelabro de prata, que se fosse mesmo ladrão não fazia sentido
ter-se limitado a furtar um único castiçal depois de anos de trabalho honesto.
Tinha sido criado naquela casa, onde depositava todas as suas perspectivas
futuras, inestimáveis, que estaria a trocar por tão desprezível lucro. Ao
imperador, pelo menos, conseguiu convencer de que era um rapaz esperto e que
sabia argumentar com racionalidade, mas valeu mais a palavra do filho do amo, que
o acusava. Eric suspeitou que seria mais provável ter sido ele próprio a
oferecer o candelabro a qualquer rapariga da aldeia no intuito de a seduzir. O
infeliz servo, porém, desacreditado aos olhos do seu senhor, foi de facto condenado
aos trabalhos forçados.
Eric perguntava-se se tinha
sobrevivido, e indagou por ele ao capataz. Este, um antigo veterano que tinha
lutado pelo exército do imperador, reconheceu-o, e respeitosamente dobrou-se
numa vénia.
– Rurik, diz o meu senhor?
Acho que sim, que vive. Acho até que o conheço. Se me dá licença… – o homem
afastou-se para gritar algumas ordens, e depressa trouxeram à sua presença um
condenado em farrapos. De barbas desgrenhadas, com os longos cabelos cobertos
de poeira, quase parecia um ancião embora não pudesse ter mais de vinte e cinco
anos. Eric achou-o tão magro e abatido que era de surpreender que ainda vivesse
de todo. Lembrava-se dele na plenitude da mocidade, um jovem rosado a
debater-se entre os guardas que o levavam para o calabouço, clamando inocência.
Já nessa altura não era grandemente encorpado, mas pelo menos provava-se rijo e
saudável, ou tê-lo-ia sido, durante sete anos, para resistir tanto tempo.
A pedido do imperador, o
capataz deixou-os sozinhos. Fraco como estava, o condenado não era ameaça mesmo
se tentasse qualquer golpe desesperado e contrário ao seu feitio.
O que de modo algum parecia
ser a intenção. Rurik, o condenado, limitava-se a tapar os olhos com uma mão
encardida. Até a cinzenta luminosidade daquela tarde de outono os feria, de tão
habituado à escuridão das minas. Encandeado, tentava perceber quem era aquele
nobre que tinha chamado por ele. Não o conhecia de lado nenhum e não lhe
parecia que fosse coisa boa. Talvez acabasse mesmo enforcado por causa de um candelabro
que nunca tinha visto.
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